Dom Antônio Possamai: "Hoje estão faltando sacerdotes e profetas"

Publicamos a fala de Dom Antônio Possamai, bispo emérito de Ji Paraná, na Mesa Redonda sobre o Espírito do Concílio Vaticano II e os inícioas da Comissão Pastoral da Terra, realizada na Assembleia da CPT Rondônia o doa 6/7/2013 em Porto Velho. 

Nela Dom Antônio fala do profetismo na Amazônia, a luz de Medellín, do documento de Santarém, das CEBs, dos gritos atuais da Amazônia: "A meu ver, hoje estão faltando sacerdotes e profetas que denunciem o avanço da soja, do boi, da cana, dos bioenergéticos, das hidrelétricas, dos pesticidas e do uso de outros meios para matar".
Dom Antônio Possamai na mesa redonda da XIV assembleia da CPT RO. foto denize


Dom Antônio Possamai. Porto Velho, 6/7/2013. 

O Antigo povo de Israel diante de situações de exílio, que foram diversos, lamentava-se e buscava as causas de tanto sofrimento. Reconheciam que tinham sido infiéis à Aliança. Diversos salmos chegavam a dizer “já não temos mais profetas e sacerdotes”. Para eles, era sinal de que Deus os tinha abandonado. O salmista convida o povo a rever a história para dizer: “nossos pais nos contaram” e refaziam a história do povo lembrando as tantas intervenções de Deus.
O momento que estamos vivendo na nossa história é oportuno para lembrarmo-nos que tivemos muitos e autênticos sacerdotes e profetas. É bom lembrar o que eles nos ensinaram. São nossos pais e mães na fé e nos contaram. (continua)
Nossos profetas e sacerdotes falaram no Concílio Vaticano II; falaram e agiram nas Conferências de Medellin e de Puebla e muitas intervenções em tempos de maior sofrimento do povo. Ensinaram-nos que a pobreza reinante na América Latina é fruto de um sistema injusto institucionalizado; que há muitos rostos de Cristo desfigurado pela fome e por outras calamidades frutos desta injustiça.
Nossos profetas e sacerdotes nos falaram quando se reuniram em Santarém, leram o que estava acontecendo na Amazônia: falam-nos da situação dos povos indígenas, da implantação dos grandes projetos agropecuários, em prejuízo dos povos tradicionais, da abertura das grandes rodovias e apontam para uma Igreja que deve privilegiar as Comunidades Cristãs de Base e a formação de agentes de pastoral locais dizendo que “ninguém melhor que o homem do próprio meio para exercer a liderança dentro da comunidade”.
Nossos profetas e sacerdotes nos falaram quando incentivaram o nascimento e a implantação da Comissão Pastoral da Terra e do Conselho Indigenista Missionário.
Nossos sacerdotes e profetas nos falaram quando em 1990, reunidos em Icoaraci (Belém do Pará) chamam de “Semeadores da Morte os que agridem de forma violenta e irracional a natureza, destruindo as florestas, envenenando os rios, poluindo a atmosfera e matando povos inteiros”. Ao mesmo tempo questionaram os grandes projetos, que causam danos irreparáveis, madeireiras e mineradoras, barragens e hidrelétricas, a construção de novas estradas que têm como efeito imediato uma migração incontrolável e uma corrida desenfreada às terras disponíveis. E dizem mais ainda nossos sacerdotes e profetas: “A sangria da Amazônia já chega ao extremo e a criação de Deus geme no estertor da morte”.
Em mais outras oportunidades gritaram nossos sacerdotes e profetas. Estes gritos nos mostram que tivemos melhores tempos. E tudo indica que agora, estando em tempos de exílios, já não temos homens e mulheres capazes de entender o nosso tempo. Reinam o silêncio e indiferença. Mostram-nos também que não estamos mais escutando o que nossos pais na fé nos ensinaram. Creio que não estamos mais seguindo o Jesus de Nazaré da Galiléia, isto é, o Jesus dos pobres, dos despossuídos, dos endemoniados, dos leprosos, das prostitutas, dos Zaqueus e Mateus, dos famintos, dos despejados em favor das usinas hidrelétricas, de campos de soja e de cana, de pastos para bois e de outros sofredores. Há uma opção dolorosa acontecendo, isto é, a de se multiplicarem os seguidores de Jesus da Judéia, ou ainda pior, de Jerusalém, do templo, dos saduceus, dos herodianos, dos fariseus. Este Jesus não existe, e os que queriam que existisse o crucificaram.
A meu ver, hoje estão faltando sacerdotes e profetas que denunciem o avanço da soja, do boi, da cana, dos bioenergéticos, das hidrelétricas, dos pesticidas e do uso de outros meios para matar.
Pode ser que esteja enganado pois, por ser emérito não tenho me envolvido em tantas lutas, mas vejo, com todo o respeito para exceções, a Comissão Pastoral da Terra, como outras pastorais, destituídas da marca profética com que nasceram, cresceram e se entregaram à causa do Reino da Justiça e da Paz. Investe-se mais no templo que na vida plena do povo sofrido. Desejo, pela intercessão de tantos que foram martirizados porque creram, que venham tempos de mais ardor profético, capaz de questionar e denunciar as forças da bancada ruralista aliada à bancada evangélica  que atualmente dominam o Congresso Nacional e os demais poderes da república. Estejamos atentos porque nossos pais na fé nesta Amazônia não só nos contaram, mas também profetizaram, alguns deles foram e outros continuam sendo martirizados.

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